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Camponeses e a IA: O Abismo Digital no Campo

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Por: Valter Israel

Data: 10/05/2025

Vivemos uma era de revolução tecnológica acelerada, na qual a Inteligência Artificial (IA) se tornou a grande promessa de "modernização" para diversos setores, incluindo o campo. No entanto, quando falamos de agricultura, é preciso perguntar: para quem essas tecnologias são desenvolvidas?

Enquanto grandes corporações do agronegócio celebram algoritmos de precisão, drones autônomos e sistemas de big data para maximizar lucros, os camponeses seguem invisíveis no desenho, na pesquisa e na implementação dessas inovações. A tecnologia não é neutra: ela reflete os interesses de quem a cria. E hoje, ela é criada para (e pela) a indústria de máquinas, os monopólios de insumos e os grandes latifúndios.


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O resultado? Os camponeses são obrigados a se adaptar a ferramentas que não foram feitas para sua realidade, muitas vezes destruindo seu modo de vida, seus saberes tradicionais e sua autonomia. E quando resistem, são acusados de "atraso". Agora, com a IA, esse cenário se repete – e se aprofunda.

Desde a Revolução Verde, nos anos 1960, o discurso tecnológico no campo foi dominado por uma lógica industrial e exportadora: máquinas pesadas, sementes híbridas, agrotóxicos e, mais recentemente, transgênicos e agricultura digital. Tudo isso foi pensado para grandes escalas, monoculturas e integração ao mercado global.

Mas e os camponeses?

Tratores com GPS, sensores de solo caríssimos e plataformas de IA para gestão de lavoura são inviáveis para quem trabalha em pequenas propriedades, com cultivos diversificados e sem acesso a crédito.

Os algoritmos de IA são alimentados por informações de grandes fazendas. Como podem servir a quem planta em roçados, guarda sementes crioulas e se orienta pela observação ancestral do clima?

Quando um camponês prefere seu conhecimento tradicional a um aplicativo de recomendação de agrotóxicos, ele não está sendo "contra o progresso" – está defendendo sua soberania.

  A Inteligência Artificial chegou ao agronegócio com promessas de "eficiência": Monitoramento por satélite para otimizar colheitas (útil para sojicultores, mas inútil para quem cultiva mandioca, feijão e hortaliças em pequena escala). Chatbots agrícolas que dão conselhos genéricos (enquanto o conhecimento camponês é específico, local e transmitido oralmente). Sistemas de crédito com IA que negam empréstimos a quem não tem "histórico digital" (ou seja, excluem agricultores familiares).

Nada disso foi pensado para os camponeses, muito menos com eles. A IA, nesse modelo, é mais uma ferramenta de exclusão.

A imposição de tecnologias inadequadas não é novidade na história camponesa – mas com a IA, os riscos são ainda maiores: Se um algoritmo controla o que plantar, quando vender e a quem comprar, o camponês vira refém de plataformas corporativas e perde sua autonomia. Por que aprender a ler os sinais da natureza se um app "sabe melhor"? A IA pode acelerar o apagamento de conhecimentos milenares. Sem acesso à internet ou smartphones de última geração, muitos camponeses ficarão ainda mais marginalizados. Aqui, a resistência não é irracional: é uma questão de sobrevivência cultural.


Fica uma grande pergunta: É possível uma IA Camponesa?


Não precisamos rejeitar a tecnologia por completo – mas precisamos exigir que ela sirva ao povo, não ao lucro. Algumas possibilidades:

  • Ferramentas colaborativas: Apps de mapeamento coletivo de sementes, redes de troca de conhecimentos ou sistemas de alerta climático feitos com e para comunidades.

  • IA a serviço da agroecologia: Algoritmos que ajudem a planejar policultivos, não só monoculturas.

  • Soberania de dados: Bancos de informações controlados por associações camponesas, não por empresas.

Mas isso só será possível se estas tecnologias forem criadas com os camponeses e não impingidas a eles.

A IA Pode Aprender com os Camponeses?

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A Inteligência Artificial não é inevitável – ela pode ser questionada, transformada e reinventada. Mas para isso, os camponeses precisam estar no meio do debate. Enquanto a tecnologia for tratada como um fim em si mesma, e não como uma ferramenta a serviço da vida, ela continuará sendo mais uma forma de dominação. A pergunta que fica é: Se a IA é tão inteligente, por que não consegue enxergar os camponeses? A resposta é simples: porque não foi feita para isso. E está na hora de mudar.


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