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A Maldição da Estratégia


By: Fabrício R. Barbosa

24/11/2024

No mundo dos negócios, da política e até das decisões cotidianas, a palavra “estratégia” é muitas vezes associada a poder e controle. Elaborar planos meticulosos, desenhar táticas detalhadas e antecipar movimentos futuros parecem ser ferramentas infalíveis para alcançar o sucesso. No entanto, à medida que nos aprofundamos nesse conceito, emerge um paradoxo silencioso que acompanha a estratégia: a maldição da rigidez e da cegueira deliberada, um fenômeno que transcende as empresas e atinge também esferas sociais, filosóficas e políticas.

Do ponto de vista filosófico, a obsessão pela estratégia reflete o desejo humano de controlar o incontrolável. Filósofos como Friedrich Nietzsche criticaram essa ânsia de domínio absoluto sobre o futuro. Para ele, o “eterno retorno” simboliza a inevitabilidade do imprevisível e da repetição cíclica de eventos. A estratégia, quando mal conduzida, pode se tornar uma tentativa frustrada de escapar desse ciclo. Nietzsche nos alerta que “aquele que luta com monstros deve cuidar para que, ao fazê-lo, não se transforme em um monstro” (Nietzsche, 1886). Quando aplicamos isso à estratégia, a busca incessante pelo controle absoluto pode nos tornar escravos da própria estratégia, incapazes de ver além dela.

Socialmente, a maldição da estratégia se manifesta nas estruturas de poder e nas expectativas coletivas. As sociedades contemporâneas tendem a valorizar o planejamento como forma de progresso e estabilidade, mas, ironicamente, essa mesma rigidez estratégica pode sufocar a inovação social. Michel Foucault argumentou que as instituições sociais são frequentemente armadas com estratégias de controle que, com o tempo, se tornam autoritárias. “Onde há poder, há resistência” (Foucault, 1976), e isso se aplica também às estratégias sociais que buscam modelar o comportamento coletivo. Estruturas sociais que se ancoram em estratégias inflexíveis tendem a gerar resistência e revolta, como vemos em movimentos sociais que surgem para desafiar sistemas que não se adaptam às novas demandas.

No campo político, a maldição da estratégia é ainda mais evidente. Governos e líderes muitas vezes adotam estratégias de longo prazo, acreditando que essas serão seus legados. No entanto, como bem ilustra Maquiavel, a política é o reino da incerteza e da imprevisibilidade: “Aquele que deseja ser sempre bom, inevitavelmente acabará arruinado entre tantos que não são bons” (Maquiavel, 1513). A política exige flexibilidade, e líderes que se prendem a estratégias fixas e imutáveis frequentemente falham ao responder a crises e mudanças repentinas. A história está repleta de exemplos de governantes que, ao insistirem em suas estratégias, ignoraram as mudanças em seus povos, provocando revoluções ou crises de governabilidade.

Já o filósofo alemão Jürgen Habermas, com sua teoria da ação comunicativa, nos alerta para outro perigo da maldição da estratégia, desta vez no campo das relações interpessoais e políticas: a estratégia pode suprimir o diálogo autêntico. Segundo ele, quando as interações humanas se baseiam em estratégias de manipulação e controle, em vez de comunicação honesta e aberta, o resultado é a deterioração das relações sociais e políticas. A estratégia, nesse sentido, pode se tornar um instrumento de opressão, em vez de uma ferramenta para o bem comum.

A obsessão pelo planejamento em uma era de constante mudança gera o que o sociólogo Zygmunt Bauman chamou de “modernidade líquida”. Para Bauman, o mundo moderno é fluido e instável, e as instituições – assim como os indivíduos – que insistem em estratégias rígidas estão fadadas ao fracasso. “Nada é feito para durar” (Bauman, 2000), e a estratégia deve ser igualmente fluida, adaptando-se às transformações contínuas.

Outro exemplo claro da maldição da estratégia é o campo militar. Carl von Clausewitz, estrategista militar prussiano, afirmou que “nenhum plano sobrevive ao contato com o inimigo” (Clausewitz, 1832), e essa visão pode ser extrapolada para a política e para a sociedade em geral. Um país que se agarra teimosamente a uma estratégia militar ou diplomática, mesmo diante de novos desafios globais, corre o risco de se isolar ou, pior, de provocar conflitos que poderiam ser evitados. A guerra é um dos exemplos mais brutais de como a estratégia inflexível pode ter consequências devastadoras.

Portanto, superar a maldição da estratégia não significa abandonar o planejamento ou a visão de longo prazo, mas entender que a verdadeira sabedoria reside na capacidade de adaptação. O filósofo francês Henri Bergson, com sua ênfase no “elan vital” (o impulso vital), nos lembra que a vida é movimento contínuo e imprevisível. A estratégia, se deve existir, precisa ser dinâmica, capaz de responder a novas circunstâncias e, mais importante, disposta a aprender com o inesperado.

Em última análise, a maldição da estratégia nos ensina que o maior desafio não é apenas criar um plano, mas saber quando mudá-lo e, acima de tudo, manter o senso de realidade. Como disse o filósofo Heráclito, “nada é permanente, exceto a mudança” (Heráclito, 500 a.C.). A estratégia, portanto, deve ser uma bússola flexível, guiando-nos com firmeza, mas sempre deixando espaço para recalcular a rota quando o inesperado, inevitavelmente, ocorrer.

 
 
 

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