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As Conexões Fluidas e o Desafio da Cooperação: Uma Leitura de Zygmunt Bauman

By: Fabrício Barbosa

Data: 22/10/2025

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No universo dinâmico e acelerado em que vivemos, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017) nos legou um conceito essencial para decifrar as relações contemporâneas: a "Modernidade Líquida". Em um mundo onde "nada foi feito para durar", essa fluidez incessante não apenas molda a economia e a cultura, mas atinge o cerne dos nossos laços interpessoais, transformando as relações em algo que ele chamava de "conexões" ou "relações líquidas".

Mas o que, afinal, significa essa liquidez nas relações e por que ela representa um desafio tão grande para a cooperação e a solidariedade entre as pessoas?


A Era da Fragilidade e do Descarte


Na Modernidade Líquida, as instituições e as estruturas sociais sólidas do passado (como laços familiares mais rígidos, comunidades estáveis e empregos para a vida toda) derreteram. O indivíduo, libertado desses vínculos permanentes, é convocado a ser um "empreendedor de si mesmo", responsável pelo seu próprio sucesso ou fracasso.

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Essa lógica do individualismo radical e do consumo invade a esfera afetiva. As relações passam a ser vistas como produtos a serem consumidos: enquanto trazem satisfação, são mantidas; no primeiro sinal de conflito ou exigência de comprometimento, são rapidamente descartadas. Bauman observa que, diferentemente das relações sólidas, nas conexões digitais, por exemplo, temos o "melhor poder, que é desconectar". É fácil criar um laço e, por qualquer "conflito", deletá-lo.

A palavra-chave é fragilidade. Buscamos a satisfação instantânea e evitamos o peso do compromisso de longo prazo, da responsabilidade e da lealdade que definem um vínculo genuíno.


O Custo da Fluidez: A Dificuldade de Cooperação


É aqui que reside o nó da questão para a cooperação. A cooperação, em sua essência, exige:

  1. Confiança: A crença na estabilidade e na boa-fé do outro, que só se constrói com tempo e permanência.

  2. Comprometimento: A disposição para sacrificar interesses individuais imediatos em prol de um objetivo coletivo duradouro.

  3. Solidariedade: A capacidade de se colocar no lugar do outro e agir em função do bem-estar comum.

As relações líquidas, no entanto, operam na contramão:

  • Busca pela Leveza: Evitamos o peso da responsabilidade mútua, preferindo a "leveza" das conexões superficiais que não nos obrigam a enfrentar as complexidades do outro ou do grupo.

  • Fuga da Angústia: O compromisso de longo prazo gera ansiedade na Modernidade Líquida, pois nos amarra a um futuro incerto. Desconectar é mais fácil do que negociar e resolver conflitos.

  • Isolamento em Rede: Bauman aponta para o paradoxo de estarmos numa "solidão e numa multidão ao mesmo tempo". As redes sociais nos oferecem a ilusão de comunidade e de conexão constante, mas frequentemente reforçam o isolamento, pois as interações são controladas e facilmente interrompidas, sem a profundidade que exige a verdadeira cooperação.

Na prática, quando os problemas são gerados socialmente, o indivíduo líquido é convocado a resolvê-los isoladamente, munido de ferramentas inadequadas para uma tarefa que só poderia ser resolvida coletivamente. A consequência é um enfraquecimento da solidariedade, onde poucas pessoas continuam a acreditar que mudar a vida de outras tenha alguma relevância para as suas próprias.


Olhando para o Futuro


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A reflexão de Bauman não é pessimista, mas um diagnóstico. Ela nos lembra que o desafio da Modernidade Líquida é transformar o medo da incerteza e da responsabilidade em uma nova forma de construir laços.

Para o Brajeiradas, o recado é claro: a cooperação e a solidariedade exigem solidez. Exigem que paremos de tratar as pessoas como itens de consumo e que aceitemos a vulnerabilidade e o esforço que envolvem construir algo que valha a pena ser mantido – seja nosso projeto, nossa amizade ou nossa comunidade.

A saída para o indivíduo "líquido" é reaprender o valor de ser um "cidadão" – alguém que busca o seu próprio bem-estar através do bem-estar da sua cidade, da sua comunidade e das pessoas ao seu redor.

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